Habibi
Editora: Quadrinhos na Cia.
Autor: Craig Thompson (arte e roteiro)
672 Páginas
Por Douglas Puglia
A visão que se tem do Oriente por parte dos ocidentais é, praticamente, um conjunto de estereótipos que envolvem homens-bomba, mulheres de burca, um conjunto de ditadores hereditários e fanáticos religiosos de todo o tipo. Há uma obra acadêmica chamada “O orientalismo” de Edward Said que critica justamente esse posicionamento e afirma que a construção da visão que temos sobre o oriente, principalmente pós-atentados de 11 de setembro, trata-se de um discurso de poder, feito para que se pense sobre o oriente como um conjunto de povos exóticos e inferiores as tradições e práticas ocidentais.
Neste tocante que a HQ Habibi, de Craig Thompson (arte e roteiro), é uma enorme contribuição para diminuir as diferenças entre ocidente e oriente e demonstrar que se trata apenas que no oriente há povos com culturas e tradições diferentes, tão somente isso. O tema principal da HQ é sobre as idas e vindas da relação entre dois escravos fugitivos: Dodola e Cam, e a forma como vão se descobrindo e também ao mundo desde a infância até a idade adulta. Na verdade, trata-se de um verdadeiro tratado sobre a cultura oriental e também sobre a sua religiosidade e principais tradições, um esforço de pesquisa enorme do autor, que soube, sem nenhum tipo de predileção expor toda a riqueza cultural que reside nos povos do oriente.
Muitos são os pontos positivos dessa obra, em primeiro lugar a forma como a cultura dos povos do oriente e do corão é contada para os leitores. Como se tratava de um processo de ensinamento, no qual um personagem ensinava a história da região para outro, tem um dom didático, porém não idiota, que contempla os objetivos da HQ e também insere os leitores, de forma bastante sedutora, naquela cultura estranha a qual não estamos ambientados. E o mais interessante desse processo de descoberta é que muitos traços e personagens religiosos ligados ao corão também fazem parte da religiosidade ocidental, demonstrando a ignorância existente e uma perseguição sem nenhuma necessidade. Assim, a leitura de Habibi é uma verdadeira viagem cultural.
A ambientação em uma região fictícia também se mostrou uma bela escolha, uma vez que o autor pode tratar de temas considerados tradicionais, e mostrar um oriente estereotipado com grandes Sultões e seus hárens, mas também pode mostrar problemas contemporâneos, como violência e poluição dentro daquele cenário, tudo envolto em tipo de aura mística que perpassa toda a HQ. A narrativa é bastante fluida e em nenhum momento a HQ se mostra enfadonha em suas mais de 600 páginas, que aliás, passam sem que o leitor perceba esse volume. Craig Thompson se mostra perfeito na narrativa em toda a sua condução.
Em relação a arte, toda ela em preto e branco, também pode ser considerado outro ponto alto, pois ela se encaixa perfeitamente ao estilo de história que foi contada. Algumas vezes o roteiro não se adapta à arte, por melhor que sejam os profissionais, há que se ter uma certa comunhão entre os elementos, que é o que acontece com Habibi: não se pode conceber esse roteiro com outro tipo de arte, que não aquele que foi apresentado. Até o letramento obedece a um tipo parecido com a escrita oriental, conferindo mais um elemento para a imersão da obra.
Assim, Habibi vai além de ser uma ótima história, é uma das poucas obras que tem a capacidade de romper com os grilhões de um nicho específico de mídia, e se tornar universal e recomendado para aqueles que são fãs desse tipo de arte e também para outros que não tem o hábito de ler HQs. Aliás, essa obra é uma grande resposta e argumento definitivo contra aqueles que afirmam que história em quadrinhos é coisa de criança, pois é de uma maturidade enorme e trata de temas tão espinhosos com maestria e sabedoria. Leiam, mais do que recomendado, uma viagem cultural que quebra com preconceitos e velhos estereótipos.
Douglas Puglia também conhecido como Mussarela. Professor de História, leitor de HQs e um nerd de peso, e bota peso nisso.
Nao tenho duvidas de que essa HQ é muito interessante, mas para os meus hábitos de leitura e meu tempo livre, mais 600 páginas é demais. rs.
Mais vale muito a pena. Eu li em uma madrugada. A HQ é muito fluída e, apesar da quantidade de páginas, não se trata de uma leitura muito longa.