Entrando no mercado de Histórias em Quadrinhos - Parte 2: Montagem de Portfólio e contato com o Editor

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O título diz tudo. Se você perdeu a primeira parte, importante que a leia primeiro, então clique aqui.

Então você estudou. Praticou. Aprendeu como se faz e ainda aperfeiçoou isso tudo. Acha que está pronto. Acha que pode desenhar qualquer página, de qualquer roteiro, acha que sua arte está matadora, em um nível que qualquer editora – incluindo as duas grandes – o contrataria. Não querendo acabar com sua empolgação, mas entender apenas de arte não é o suficiente para ser um artista de histórias em quadrinhos. Não adianta ter um estilo único, saber desenhar lutas empolgantes, cenários precisos, dominar a narrativa de uma forma jamais vista antes e coisas afins se você não sabe se portar como um profissional.

Lembra quando no artigo anterior eu disse “Seja legal e suba, seja mala e suma”? Esse é o texto para que você seja legal e não um mala.

:: O PORTFÓLIO

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Um bom portfólio vai muito além de uma pasta bonita. Mas a pasta bonita também ajuda.

Você precisa despertar a atenção de um agente e/ou de um editor. O primeiro para querer representá-lo e o segundo para querer publicá-lo. Independente da razão, para você, é trabalho.

Primeiro, mostre apenas e somente páginas. Não mostre retratos, posteres, pin-ups, esboços, treinos, cópias de desenhos de outras pessoas e afins. Nada disso mostra a um agente/editor que você sabe fazer quadrinhos. Se quer mostrar que sabe fazer quadrinhos, tem que mostrar páginas e somente páginas.

Se você quer ser desenhista, mostre páginas a lápis.

Se quer ser arte-finalista, ao mostrar as páginas que você arte-finalizou, mostre cópias das mesmas páginas, mas no lápis. Assim o agente/editor poderá comparar o traço do desenhista com seu acabamento a nanquim.

Se quer ser colorista, mostre como domina a arte da pintura digital mostrando páginas que já contém arte-final. Mostre as versões em preto e branco e, ao lado, as versões coloridas por você.

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Se quer trabalhar com HQs mostre isso: páginas. E nada além disso.

Quantas páginas você precisa fazer? Cinco (5) é um número ótimo. Nem pouco, nem muito. Cinco é um número suficiente para o agente/editor avaliar se você é bom o suficiente e se não é. E que elas estejam em sequência, por favor. Afinal, o primeiro item que o agente/editor irá olhar no seu trabalho é se você domina a habilidade chamada “narrativa”.No caso de quadrinhos, narrativa trata-se da habilidade de contar histórias apenas visualmente. Ou seja, a capacidade que uma pessoa tem de contar histórias sem o auxílio dos balões e diálogos. Só com as imagens. Se qualquer pessoa, da criança de cinco anos até o idoso míope de oitenta anos consegue entender o que se passa nas páginas que você desenhou sem precisar ler, parabéns, você domina perfeitamente a arte da narrativa.

Você pode desenhar como Da Vinci, mas se não souber narrativa, ninguém vai te contratar. Sua arte só mostra que você é um ótimo desenhista, mas não sabe contar uma história. Como desenvolve-se a narrativa? Isso será tema de ouuuutro artigo. Não é o foco aqui agora. Vamos dizer que você tem essa habilidade. Ou que embora não seja perfeito nela, tem potencial. O que um agente/editor irá olhar em seguida nas suas páginas?

Perspectiva.

Por quê? Fato: desenhar os personagens que acompanhamos conforme crescemos é muito legal. É bacana desenhar as brigar, as cenas de ação, a dramaticidade e tal. Então um agente/editor sabe que você irá caprichar neles. Dessa forma, anatomia será quase que o último item que ele irá olhar. Desenhar prédios, janelas, telhados, latas de lixo, lâmpadas, carros, postes, parapeitos, camas, portas, quadros, mesas, pias… isso tudo é muito, muito chato. Tedioso. Testa a paciência. E qual é a consequência disso? 90% dos aspirantes a artista de quadrinhos não estuda perspectiva como deveria. Daí fazem cenários péssimos, horrendos.

E se os seus cenários são péssimos e horrendos, você não está pronto, por melhor que seja o seu Superman ou o seu Duende Verde.

(e outra: seus personagens vivem em alguma cidade ou no limbo?)

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Domine até a parte artística que é chata pra você. Perspectiva, por exemplo.

Então sim, treine tudo isso. E treine mais: treine animais. Procure fazer roupas melhores. Não precisa ser um experte em moda, mas varie bastante. Olhe revistas/sites de moda feminina e masculina. Desenhe pessoas de todas as idades e etnias. Figurantes servem pra você mostrar isso. Faça-os tão legais quanto os heróis e os vilões. Outra coisa: mãos e pés são quase igualmente chatos de desenhar. Por isso, artistas quase não os treinam. Isso é outra coisa que agente/editores vão olhar antes de olhar para o personagem em si.

Agora, vamos dizer que você está em um nível bacana em tudo. Que prédios, mãos, animais e tudo mais não são um problema pra você. Como realmente, de fato, monto um portfólio?

Primeiro, você tem que mostrar que pode fazer QUALQUER história. Quando digo QUALQUER história, é QUALQUER história. Isso significa que você tem que mostrar que pode desenhar do Superman ao Motoqueiro Fantasma, de Star Trek a Hellraiser, de Liga Extraordinária a Exterminador do Futuro.

Sendo assim, aconselho:

1 teste de cinco (5) páginas de super-heróis
1 teste de cinco (5) páginas de ficção-científica
1 teste de cinco (5) páginas de terror
1 teste de cinco (5) páginas de fantasia medieval

Qual teste mostro primeiro no portfólio? O mais recente ou o que estiver melhor.

Por quê? Simplesmente “primeira impressão”. Você tem que conquistar o agente/editor logo de cara. Faça uma observação pessoal sobre seus testes, ranqueando-os. Vamos dizer que você viu seus testes assim:

1º – Ficção-científica
2º – Super-heróis
3º – Fantasia medieval
4º – Terror

Ou seja, o teste de ficção científica foi o melhor, o de terror o pior. Aí coloque, no portfólio, nessa ordem:

1º – Ficção científica
2º – Terror
3º – Fantasia medieval
4º – Super-heróis

Em outras palavras, o agente/editor tem que abrir e dar de cara com o melhor teste. A partir do segundo teste, ver o seu pior. A primeira impressão ele já teve. Em seguida ele dará de cara com seu pior trabalho e verá como você é quando não está num dia bom. Outro motivo pra ir do melhor para o pior é que há uma “escalada”. Ele viu seu pior. Quando foi para o teste seguinte, você deu uma melhorada. E no teste depois desse, melhorou de novo. Até ele ver o último, que é quase tão bom quanto o primeiro. Ou seja, ele começou conhecendo seu melhor, ele tem que terminar vendo seu quase melhor. Começa e termina com boa impressão.

Faça isso. A não ser, claro, que você esteja tentando uma vaga específica para uma editora ou uma revista. Daí você começa no portfólio com o teste específico. Se é uma editora de super-heróis, coloque o teste de super-heróis em primeiro. Daí vem a importância de fazer testes sempre muito bons, manter o nível. Você nunca sabe que tipo de vaga irá aparecer.

Outro detalhe importante: deixe seu portfólio atualizado. Não coloque um teste que ficou excelente se ele é velho, antigo, se você não desenha mais daquela maneira. Deixe-o atualizado. Isso significa fazer novas páginas todo mês. Além de manter seu portfólio atualizado (lembre-se que irão contratá-lo pelo que você é agora, não pelo que você foi), você mantém a prática e manter a prática significa melhorar sua arte e melhorar sua arte significa mais chances de trabalho.

Então, se você tem preguiça ou qualquer outro problema em fazer novos testes até conseguir um trabalho, é isso, VOCÊ tem problemas. Não é o mercado, não são as editoras ou algo assim. Às vezes é difícil conseguir tempo para fazer testes, tendo que colocar pão na mesa todos os dias. É difícil mesmo desenhar depois de trabalhar na padaria ou em um açougue durante oito ou mais horas. Fato. Mas você quer trabalhar com quadrinhos ou ficar cortando frios ou carne a vida inteira?

:: O AGENTE

“O agente”. Parece algo saído do 007, da franquia Bourne ou Missão: Impossível, né? O agente é quem representa um artista, como explicado na parte anterior. Além de fazer tudo aquilo que expliquei lá, ele tem que ser sincero com um artista que busca alguém que o represente. Se artista fulano ainda não atingiu o nível necessário para despertar a atenção das editoras, o agente tem que dizer o porquê. Caso já tenha nível, o agente e o artista conversam termos contratuais e aí vai de estar legal para ambas as partes. Estando legal, o agente começa a caçar trabalho para o artista.

E esse “caçar trabalho” tem muitas variantes.

A primeira delas: não há como achar trabalho para um artista que não mantém seu portfólio atualizado. Se o artista não faz testes todo mês para ter o que mostrar, vai conseguir trabalho como? Com que material o agente poderá contar para vender seu trabalho? Para te conseguir um emprego? Sabe, não precisa fazer zilhões de testes o tempo todo. Dois por mês está bom. Em dois meses você tem um portfólio bacana. Dá para aguentar dois meses no trabalho (padaria, açougue ou outro qualquer, reusando o exemplo) que não gosta? Há quanto tempo está lá? Acho que dá, né?

Depois de montado o portfólio, as editoras tem o costume de, dependendo do projeto, pedir testes específicos, visando saber se o candidato tem as habilidades necessárias para aquele título. Se o artista não fizer o teste, simples: não tem chance alguma de contratação. Zero. Não adianta ter um portfólio pronto. Por essas e outras que você precisa dessas duas coisas. Ter um portfólio pronto e estar ciente de que precisa fazer novos testes, seja para um trabalho específico, seja para atualizar seu portfólio.

O seu portfólio é a arma que o agente tem para vender você e conseguir um trabalho. Muna-o da melhor arma possível. As editoras podem contratar qualquer um. Se elas quiserem, elas vão atrás do Alan Davis, do Mike Deodato, do Chris Bachalo. Por que ao invés de contratar qualquer um desses caras, elas vão contratar você? Perceba que você está concorrendo não só com novos talentos que também estão tentando seu espaço, mas com monstros já consagrados. Precisa ser tão bom quanto eles. Ou mostrar potencial para tanto. Então quanto melhor for a arma do agente, mais chances você tem.

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Alan Davis: é contra esse tipo de cara que você concorre pra pegar uma vaga.

A relação agente/artista é delicada. O artista conta com o agente para conseguir trabalho e o agente conta com o artista para conseguir dinheiro. E como isso funciona? Vamos dizer que o artista conseguiu um trabalho em que receberá US$ 100,00 por página. Uma agência de representação costuma ter uma porcentagem de 15% a 25% em cima do preço de página. Ou seja, se você tem um acordo contratual com um agente de que ele ficará com, digamos, 18% do seu preço de página, significa que desses US$ 100,00, ele fica com US$ 18,00. E por que isso? Após conseguir o trabalho para o artista, o agente não tem seu trabalho terminado. Representando o artista, o agente agora cuida de todo o contato entre o artista e a editora, lidando com a burocracia, a parte chata. Assim o artista não tem que perder tempo lidando com isso, podendo dedicar-se apenas à arte e, se for rápido, ter mais tempo para descansar, curtir a vida. É o agente que fará esse meio de campo todo.

Se você atrasa uma página, é o agente que irá cobrar o artista mais rapidez, que tentará fazer alguma coisa que te ajude a render mais. Porque na verdade não é ele que está fazendo isso, é o editor. O editor que está reclamando da sua demora (ou de qualquer outra coisa) e como os editores normalmente lidam com vários projetos, também não tem tempo de ficar cobrando artista por alguma coisa. O agente acaba fazendo isso. Então é meio simbiótico: o agente precisa do artista para ter dinheiro e o artista precisa do agente para ter trabalho e manter esse trabalho.

Por essas e outras que o agente sabe o que um artista precisa ter e ser para dar certo no mercado. Se você não está pronto, ouça suas dicas, críticas e afins. Você só tem a crescer.

:: O EDITOR

O editor é, de certa forma, parecido com o agente. O agente pinça novos talentos. O editor quer publicá-los. Mas no fundo, acaba sendo quase a mesma coisa: é um profissional que irá te arranjar trabalho. Seja para representá-lo, seja para publicá-lo. Então, quase tudo que foi dito até agora sobre o agente também serve para o editor.

Entretanto, o editor tem algo que o agente não tem. Ele lida com projetos diretamente no conceito. Ele, efetivamente, os edita. A função principal do editor é publicar uma revista que seja um sucesso comercial e conceitual. Ele publica uma revista que precisa ser boa para que ela venda, resultando em lucro para a editora. Não podemos deixar de levar em conta que visa lucro antes de mais nada.

Tendo isso em mente, você precisa ter noção de que aquela história que está fazendo não é só conceitualmente sua e dos outros artista com quem trabalha. É do editor também. Ele faz tanto parte da equipe quanto o desenhista ou o colorista. Ele publica várias revistas, ele que analisa detalhadamente o feedback dos leitores, os dados de vendas recebido pela editora e demais outras infos que o fazem ter uma visão única e privilegiada do mercado. Então, levando em conta toneladas de fatores, ele decide o que publicar ou não. Que fatores são esses?

Editoras têm seu foco editorial. Há editoras que publicam só terror. Editoras que publicam apenas em preto e branco. Editoras que publicam X. Editoras que publicam Z. O perfil editorial da empresa precisa ser levado em conta. É onde ela achou um nicho, uma possibilidade. É onde ela encontrou público. É onde encontrou um meio de tornar a coisa viável. De publicar e ter algum retorno. Em seguida há outros fatores, que vão desde o quanto custa a impressão, a distribuição, o quanto fica para cada artista, entre outros. O editor faz o planejamento todo daquela publicação, desde o conceito até chegar nas bancas e comic shops e também lida com todo o retorno (ou prejuízo) que ela dá. Retorno/prejuízo conceitual e financeiro. O editor é a cola que mantém o projeto unido, funcionando.

Por ter todo esse trabalho, a história que está sendo criada também é do editor. Ele é a pessoa mais gabaritada para dar opinião em qualquer parte do processo, seja o roteiro com o roteirista, seja a coloração com o colorista, seja o conceito com o dono da editora. Ele é a pessoa que torna ou não alguma publicação possível. É o cara que lida com os mais diferentes egos e opiniões, é quem tem que ter uma lábia tremenda, um tato social monstruoso para mexer daqui, puxar dali e sair algo minimamente bom. Qualquer editor quer fazer algo que exploda de vendas e caia na adoração de seu público. Se há algum defeito em alguma publicação, seja físico (como páginas soltando) ou conceitual (um roteiro chinfrim), ele não chegou nesse resultado porque quis, de propósito. Ele botou toda sua energia naquela história, naquela revista, dentro de suas possibilidades. Se uma revista não dá certo, acredite: ele fica tão chateado quanto qualquer um dos artistas. Fazer uma revista de sucesso abona o curriculum dele e o bolso. Simples assim.

Então se um editor diz algo como “Isso aqui não sei se irá funcionar devido a coisa tal”, ouça. Você tem todo o direito de discordar. Se não concordar, argumente. Você e ele estão debatendo um projeto, um conceito. Tentando chegar a um pelo menos. Convença-o. Mas por tudo quanto é mais sagrado, não seja mala. Não faça birra. Não seja infantil. O mesmo vale pra ele. Se rolar inflagem de egos, não é uma editora e sim um galinheiro.

Às vezes, uma editora já tem uma ideia de publicação, um projeto já perfeitamente organizado, faltando apenas contratar a equipe criativa. Contratar os artistas. Daí vai de você se apresentar, conversar com o editor, mostrar seu portfólio e, através dessa conversa, você entender sobre o que se trata o projeto. Afinal, ele está te analisando para saber se você consegue fazer realidade o conceito que eles tem em mente. É como contratar um pedreiro. Você, como dono da casa, tem uma ideia de como quer que o banheiro fique após uma reforma ou construção do zero. Ele irá tornar (ou não) o banheiro realidade com o que o cliente der a ele. O editor precisa fazer o artista entender onde quer chegar e o artista precisa chegar lá. Se o artista começa com “não gosto disso”, “isso não é legal, acho”, não tem chances de conseguir o trabalho e se conseguiu, está no caminho correto pra ser substituído. Projetos já iniciados são da editora. É diferente de projetos em que você está criando junto com outros profissionais, incluindo o editor. Você é mão-de-obra. Simples assim. Triste, mas é a realidade.

Se um projeto é daquele jeito, com aquelas características, tem alguma razão para que seja daquela forma. É necessário que você procure entender essas razões. E se não entender, ao menos tenha estômago para trabalhar para pagar as contas. Geralmente isso não é legal, mas acontece mais do que imagina. Mas você deve se perguntar: “Então não tenho autonomia artística? Não tenho liberdade para exercer minha arte apropriadamente?” – isso varia muito, mas muito mesmo da relação que você constrói com o editor, do seu nível artístico, qual estágio da carreira você se encontra (se é iniciante, veterano, lenda, etc), do tipo de projeto que está inserido (se é algo da editora ou algo mais criado do zero com você), entre outros detalhes. Ajuda muito pensar na seguinte filosofia: “Cada projeto é um projeto”. Você pode não ter tanta liberdade na revista atual, mas dali a um ano pode estar em outra revista que você tem a liberdade que quer ou algo próximo disso.

Se um editor nunca trabalhou com você, é normal que você tenha rédeas curtas. Ele está te conhecendo. Te testando. Vendo o quanto pode extrair de você.

Há muito mais no reino dos bastidores dos quadrinhos do que sua vã filosofia pode conceber.

:: APRESENTANDO-SE A UM AGENTE/EDITOR

Se você não tinha uma ideia concreta sobre o que um agente/editor faz, agora tem. Se já tinha, ótimo. Muitos já tem esse conhecimento, mas quando chega no social, a porca entorta o rabo.

Primeiro, saiba comunicar-se. Quadrinhos é uma forma de comunicação. Em suma, você trabalha (ou pretende) com comunicação. Se você é um ótimo artista e não sabe se comunicar, como quer trabalhar no meio? Como agente, já recebi e-mails em que o artista querendo mostrar seu trabalho nem me cumprimentou. Nem um “Oi” deu quanto mais um “Oi, tudo bem?”. Sério. O e-mail já começa indo direto ao assunto de forma ríspida e rasteira. Pode parecer bobeira, mas boa educação, incluindo por meios digitais, faz toda a diferença.

Já recebi e-mail em que o artista nem assina. Já recebi e-mail escrito em internetês. Já recebi e-mail onde abacaxi estava escrito com ch.

Fico imaginando o que um agente/editor com anos e anos (ou décadas) de experiência já presenciou quando um artista tentou entrar em contato. Acho que dá um livro, sério.

Segundo, saiba para quem você está enviando seu material. Você precisa ter ciência de que cada editora e agência recebe material de uma determinada maneira. Elas tem razões para isso. As maneiras variam, de projeto para projeto, empresa para empresa, mas colocarei aqui o básico disso. Além do que eu colocar aqui, procure saber como elas recebem o material, se há algo de diferente do que irei colocar aqui. E se tiver, siga essas orientações à risca. A maneira como um artista envia material já é um processo seletivo. Se ele envia com alguma coisa errada, o agente/editor já vê que o artista não é atento a detalhes. E isso é ponto contra.

Terceiro, envie um teste. Um só, de cinco páginas, está ótimo. Se despertar a atenção do agente/editor, claro que irá pedir mais, desejará ver o resto, os outros testes que possui.

Em que formato? .JPG de 72 a 150 dpi de resolução cada imagem. Na tela, é resolução suficiente para ver cada detalhe da sua arte com precisão. Não envie com resolução de impressão (300 dpi) porque isso deixa as imagens mais pesadas e ajuda a comer espaço da caixa de entrada do e-mail do agente/editor. Em 95% dos casos, se o editor ver que as imagens estão em 300 dpi ou algo semelhante, eles apagam sem dó nem piedade. Eles lidam com 986654654 projetos. São toneladas de arquivos que são analisados, reenviados, reanalisados, alterados, etc. Precisam de cada byte no e-mail. Além disso, outra razão para não enviar em resolução de impressão é que… elas não serão impressas, ué. O objetivo é apreciação somente na tela.

De preferência, envie a arte anexada ao e-mail e não compactada. Para o editor é mais fácil olhar o nome assinado no e-mail (ou o próprio endereço de e-mail) e bater o olho nas prévias das artes que aparecem no corpo do e-mail e associar o nome ao desenho. Depois de um tempo, quando já conhece o artista, isso não faz mais sentido. Mas no começo, onde o agente/editor precisa saber quem você é, ajuda monstruosamente. E o quão rápido ele lembrar/souber quem você é, melhor pra você.

Quarto, o tempo de um agente/editor varia. Então em quanto tempo será que ele responde? Não há um tempo padrão. Há momentos em que o agente/editor lida com 15 projetos e momentos que lida com 6 ou 7. Tudo varia em relação ao tempo dele, ao quão boa é sua arte, o quanto sua apresentação foi bacana e educada. Tudo conta. Cada detalhe. Então, claro, você pode estar passando por um momento de necessidade e estar precisando de grana rapidamente, não conte com isso. Procure fazer outra coisa para ter esse dinheiro enquanto espera a resposta do agente/editor. Aconselho a, se depois de um mês não houver resposta, enviar outro e-mail apenas lembrando-o. Há agentes e editores que são tão ocupados, mas tão ocupados que precisam de dois a três meses para responder. Não fazem de sacanagem. É o que o humanamente possível permite a eles.

Exemplo de um e-mail bacana:

“Olá, (insira o nome do agente/editor aqui). Tudo bem?

Meu nome é (insira aqui seu nome e sobrenome, preferencialmente o nome que usa como artista) e estou interessado em (coloque aqui seu objetivo, sendo ele ser representado ou publicado). Em anexo estão algumas páginas recentes que fiz para sua apreciação. Eu já trabalhei com (coloque aqui nome de outros editores, editoras, nome de revistas ou qualquer outro trabalho que tenha feito). Você pode ver mais do meu trabalho em (coloque aqui o link de um portfólio digital, como um link do Deviant Art, por exemplo).

Por favor, aguardo um retorno sobre minha arte e sobre minhas possibilidades de trabalho. Qualquer dúvida, ficarei feliz em saná-las.

Muito obrigado pela atenção,

(de novo, seu nome aqui)”

Se você é novato e não fez nada, deixe claro que está buscando seu lugar ao sol. E-mail simples, educado, conciso, direto ao ponto, sem enrolação.

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Convenção de HQs: o melhor lugar para o contato com um agente/editor.

E se a apresentação for pessoal, como durante um evento de quadrinhos, por exemplo?

Antes de mais nada, um evento costuma ter dia e hora para avaliação de portfólios. Por tudo quanto é mais sagrado, atenha-se a isso. Os agentes/editores costumam ter outros afazeres além de analisar o trabalho de artistas. Têm palestras, oficinas, participam de várias outras atividades e, é claro, como todo ser humano, querem rever amigos, ter aquela happy hour bacana com algum artista com quem já trabalhou ou trabalha. Se você aborda um agente/editor fora do dia/horário de análise de portfólio, ele tem todo o direito de recusar e passar o e-mail dele a você para que entre em contato dessa forma.

Outra coisa é que se você vai e entra na fila no dia/horário certos, você não precisa ficar caçando o cara durante o evento inteiro. Em outras palavras, significa que você também pode aproveitar o evento, fazer suas compras, conversar com outros artistas, participar de algumas happy hours, assistir a palestras, etc. É benéfico para os dois lados.

Agora, vamos dizer que você entrou na fila no dia/horário certos e chegou sua vez. 5 minutos. 5 preciosos minutos. É tudo que você tem com ele. O agente/editor tem uma fila enorme de artistas para conversar. Fora que é sacanagem com os outros artistas que você monopolize a atenção do cara. Esses outros artistas tem os mesmos sonhos/objetivos que você. Tenha respeito. Esses 5 preciosos momentos é tudo que você tem para lidar exclusivamente com ele. É o tempo em que ele tem para ver sua arte, fazer algumas perguntas e você, perguntar algumas coisas a ele. Se ele tiver interesse na sua arte, ele irá passar os contatos dele a você. Se ele não tiver interesse, lhe dará preciosos conselhos de como melhorar sua arte e lhe dirá para aparecer na próxima convenção ou ficar atento à vagas e concursos postados na internet pela agencia/editora.

Se um artista está interrompendo a SUA avaliação de portfólio, jamais, em hipótese alguma, tente argumentar com o artista mal-educado. É chato, é até raivoso, mas não faça isso. O agente/editor está acostumado com isso e ele irá colocar o artista petulante no lugar dele. Primeiro, de forma educada. Se a interrupção continuar, pode crer o agente/editor lembrará disso quando chegar a vez desse artista mala.

Durante a conversa com o agente/editor, tente não justificar de porque sua arte está ruim, irregular ou apresente alguma coisa não tão boa. Falar coisas como “Eu poderia ter feito esse carro melhor, mas…” é um pecado fatal. Se poderia, por que não fez? Problemas todos temos. Filhos doentes, contas vencendo, reforma de um cômodo da casa… todos temos problemas o tempo todo. Então vai do seu jogo de cintura em fazer o melhor trabalho possível com todos esses entraves. Você teve, por exemplo, que levar o cachorro no veterinário em caráter emergencial, o que lhe deixou um pouco preocupado tanto com o bichinho quanto com a conta que vem junto e daí não se concentrou o suficiente para fazer aquele teste da melhor forma possível. Além do agente/editor não ter nada a ver com isso, o público-leitor também não tem. Outra coisa é que, vamos dizer que você apresentou um teste bacana, o agente/editor gostou muito de você e você foi contratado para trabalhar em, sei lá, Manto e Adaga. Você faz uma, duas, três edições. Durante a confecção da quarta edição, aparece um grave problema pessoal a ser resolvido. E aí, o que você faz?

Problemas acontecem o tempo inteiro. Não importa quando, não importa a intensidade. Vai de você conversar com o agente/editor e ambos arranjar uma solução para que as páginas saiam com a qualidade necessária. Só não há solução para a morte. Com boa comunicação, há solução para tudo. Ás vezes não é a solução que você mais gostaria, mas é uma solução. Melhor manter a boa relação com o agente/editor do que criar tempestade em copo d´água e nunca mais ter trabalho.

:: CONCILIANDO O EMPREGO ATUAL COM A VONTADE DE TRABALHAR COM QUADRINHOS

Agora vamos ao seguinte exemplo: “Eu trabalho em uma farmácia (ou qualquer outro emprego que tenha) e isso toma quase todo o meu tempo, fica difícil sentar e desenhar para fazer testes”.

Se você quer, de verdade, sábado vira segunda-feira. Você troca a balada/futebol com amigos/churrasco pela prancheta. A balada/futebol com amigos/churrasco passa. Passar o tempo na prancheta é investimento. E sempre haverá baladas/futebol com amigos/churrasco para ir durante a vida inteira.

Não estou dizendo para você não descansar nem se divertir. Todo ser humano precisa disso por questões de saúde, sanidade. Só estou dizendo para, durante um tempo, fazer menos essas coisas.

Para ilustrar esse tipo de coisa, coloco aqui a história de ninguém menos do que Ivan Reis. Dispensa apresentações, não é?

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O que Ivan Reis e…

O primeiro trabalho regular de Ivan foi na Maurício de Sousa Produções, desenhando as histórias da turminha e demais personagens. Foi lá que ele aprendeu a trabalhar dentro de um prazo, a desenhar de forma praticamente industrial. A agir de forma profissional. Trabalhar em horário comercial. Após três anos lá dentro, ele sentiu que chegou a hora de vôos maiores. Era o momento de entrar no mercado americano.

Durante esses três anos, ele foi aperfeiçoando-se, sem compromisso. Em suas horas vagas treinava anatomia, perspectiva, luz e sombra, etc. Inclusive, chegou a rabiscar coisas no melhor estilo super-heróis no verso de originais da Turma da Mônica durante o horário de almoço. Quando sentiu que chegou a hora, fez um teste e arranjou um agente. Após pouco tempo, o agente conseguiu um teste na Dark Horse Comics. Ivan fez o teste e passou.

Qual era o trabalho? Uma edição tapa-buraco de Ghost. Adam Hughes era o artista regular e, naquele mês, não poderia desenhar e daí a editora precisava de alguém só para fazer aquela edição. Ivan conseguiu o trabalho.

Durante um mês, Ivan trabalhou em horário comercial na MSP e levava 15 minutos de sair de lá e ir para o escritório de seu agente para desenhar as páginas de Ghost. Ele parava de desenhar por volta das 3 ou 4 horas da manhã para acordar às 7 horas a tempo de tomar banho lá mesmo, comer (ou engolir) alguma coisa e encarar mais um dia de trabalho na MSP e para a Dark Horse.

Resultado: Ivan foi muito bem pago, o editor adorou o trabalho dele e ele, coitado, parecia um zumbi, com olheiras, cabelo bagunçado e barba por fazer, além do corpo bem castigado por essa rotina. Sim, ele havia feito uma mala e avisado aos pais que ficaria um mês sem aparecer em casa, explicando o porquê.

Uma semana depois, seguiu-se o seguinte diálogo:

Agente: “Ivan, o editor na Dark Horse não conta mais com o Adam Hughes, o cara tá com uns problemas pessoais e não pode fazer nada pelos próximos três meses. Ele quer você nessas próximas três edições. Topa?”

Ivan: “Cara, se eu encarar por três meses a rotina que tive esse mês, vou parar num caixão. Não tenho como agüentar trabalhar na MSP e pro mercado americano durante três meses. Você tem como me garantir trabalho depois desses três meses?”

Agente: “Não. Você sabe que não. Você é novato, ninguém te conhece, regularidade vem com o tempo”.

Ivan: “Me dá um tempo pra pensar. Te respondo hoje mesmo”.

Tempo depois, Ivan chegou em seu agente e disse: “Pedi demissão da MSP, resolvi encarar”.

Ivan então fez as três melhores edições que pôde. Resultado: o editor tornou Ivan o desenhista oficial de Ghost, conseguindo fixar-se na vaga. Apesar de não ser um Adam Hughes, Ivan era mais barato e mais “manipulável” (não no sentido ruim da palavra) por ser um novato. E era bom, ô se era. Não era o que é hoje, claro, mas era muito bom pra um novato. Após acabar seu período em Ghost, ele foi remanejado para outra revista. E depois para outra revista. E mais outra. E depois foi para outra editora. Depois, para outra. E em um determinado momento, percebeu que nunca ficou sem trabalho.

Aquele mês “zumbístico” e pedir as contas da MSP valeu muito à pena como todo mundo bem sabe. O que isso ensina?

Sacrifício. Se você quer entrar no meio, sacrifícios precisam ser feitos. Só você sabe o que pode sacrificar da sua vida para atingir seus objetivos/sonhos. Se o seu objetivo/sonho não chega, significa que você não está sacrificando o bastante. Se não está sacrificando o bastante, então no íntimo, talvez não queria tanto aquilo que acha que quer.

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… Maurício de Sousa têm em comum? Simples…

Se a história de Ivan não é o suficiente, Maurício de Sousa trabalhava como jornalista na Folha de São Paulo, devia oito meses de aluguel, tinha três filhos e a esposa estava grávida do quarto bebê (que seria dali a uns meses ninguém menos do que a Magali). E estava infeliz. Não era o que queria fazer e também o mundo desmoronava em sua cabeça. O que ele fez? Chegou para a esposa e disse: “Pedi demissão. Vou fazer quadrinhos”.

O resto, a gente já sabe no que que deu. Agora, imagine o quanto o Maurício não teve que sacrificar para valer essa insana decisão para si mesmo, para a esposa, para os filhos? Todo mundo pensa nele como o empresário cheio da grana, ninguém procura saber como ele construiu o império dele. O quanto ele teve que ralar, quantos problemas teve que contornar/enfrentar, quantas vezes tentaram tomar os personagens dele de todas as formas possíveis, quantas vezes foi passado pra trás e teve que dar um jeito de dar a volta por cima.

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… ambos entendem perfeitamente o conceito da palavra “sacrifício”. Suor, trabalho duro, exaustão.

De final, fica aqui um vídeo motivacional que, embora seja sobre bodybuilding, serve perfeitamente não só para quadrinhos, mas para qualquer área da vida. Agradeço eternamente ao meu parceiro Jack Herbert (Queen Sonja, The Shadow, BattleStar Gallactica, Kirby: Genesis) por ter me apresentado esse vídeo.

No próximo texto, falarei de conhecimentos extra-curriculares para um artista de quadrinhos. Ou, “Fórmula Maurício de Sousa para se dar tão bem quanto ele, extraída do próprio”.


EMÍLIO BARAÇAL tem 33 anos e é roteirista profissional desde 1996, trabalhando com audiovisual. Atualmente é agente e caça-talentos da Space Goat Productions Brasil, buscando artistas para as mais diversas editoras americanas, como Marvel Comics, DC Comics, Image Comics, Dark Horse Comics, entre outras. É também criador do selo Supernova Produções de quadrinhos nacionais com parceiros como Geraldo Borges (DC Comics), JP Mayer (DC Comics), Jack Herbert (Dynamite Entertainment), Mat Lopes (Image Comics), entre outros.

Equipe Quadrim

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3 Thoughts on “Entrando no mercado de Histórias em Quadrinhos - Parte 2: Montagem de Portfólio e contato com o Editor

  1. Pingback

  2. Todo esse pessoal que tá comentando ” Ai, me sinto mais motivado agora, serei um criador de hqs! Obrigado! Tudo papo! Viram o tanto da dificuldade e muitos até já desistiram! Essa é a verdade.
    Um curso de quadrinhos começa com dez, doze ou mais alunos e terminam com 4 ou 5 e olhe lá! O fato que é muito difícil viver disso! Igual a ser um jogador de futebol de 1.000 garotos que fazem peneiras um ou nenhum vinga! Essa é a verdade! Parabéns pelo texto! Mas muitos aqui querem impressionar ou estão se enganando e sem contar que não desenham nada!

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