Quadrim Entrevista - Ivan Reis

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Olá Tropa, é hora de mais um Quadrim Entrevista!

E desta vez um Quadrim Entrevista especial! Esta entrevista foi conduzida por nosso amigo Emílio Baraçal, autor da coluna “Entrando no Mercado de Quadrinhos”, que gentilmente nos cedeu para publicação. E o entrevistado é um fera dos quadrinhos, um nome ultra conhecido tanto aqui como lá fora… E teve tanto pra falar que vamos dividir a entrevista em duas partes! Então, sem mais delongas, nerds e nerds… A primeira parte da nossa entrevista com IVAN REIS!

desen1 Quadrim: Por favor, faça um resumo de sua carreira.
Ivan: Eu comecei com quadrinhos aos quatorze anos de idade, já fazendo Histórias Reais de Drácula, pra antiga Bloch Editores e nunca parei desde então. Acho que nunca tive outra profissão, e dessa editora, desse trabalho, eu entrei numa agência de publicidade fazendo paste-up, uma coisa que eu acho que nem existe mais hoje em dia. Eu fazia paste-up à mão, layouts de anúncios de jornal. Era tudo feito à mão naquela época, a gente escrevia palavra por palavra, e fiquei por lá um ano, um ano e meio. E com dezesseis anos eu consegui entrar pro estúdio do Maurício de Sousa, onde eu fiquei por três anos e acho que foi onde eu me vi como um profissional, porque até então eu era moleque, fazia tudo mais pela diversão, nunca encarei como uma profissão mesmo, era mais um prazer.

Histórias Reais de Drácula da editora Bloch

Histórias Reais de Drácula da editora Bloch

Mas no estúdio do Maurício quando eu entrei é que eu realmente pude encarar aquilo como “gente, eu posso viver disso”, isso realmente é uma profissão, isso não é um hobby, pode se tornar algo sério. E lá eu tinha contato com muitos outros profissionais, eram mais de setenta pessoas trabalhando. Foi a minha grande escola profissional até então.

Fiquei lá por três anos e aos dezenove eu entrei pro mercado americano, foi meu primeiro teste, foi fazendo uma revista chamada Ghost da Dark Horse, e desde que eu comecei esse trabalho nunca mais fiquei parado, passei praticamente por todas as médias e grandes editoras do mercado, trabalhei com quase todos os personagens e tô até hoje, graças a Deus, seguindo aí nessa profissão.

Ghost, da Dark Horse, com desenhos de Ivan reis

Ghost, da Dark Horse, com desenhos de Ivan Reis

Quadrim: Quais foram as principais dificuldades que encontrou no começo de sua carreira?
Ivan: Eu acho que a principal dificuldade no começo de carreira é você achar trabalho, ainda mais na época em que eu comecei, quadrinhos não era uma coisa tão comum ou tão em evidência como é hoje em dia.

Eu lembro quando era moleque e pegava minhas folhas de caderno de desenhar, todo papel que eu desenhava colocava embaixo do braço, pegava todas as revistinhas que eu podia, anotava todos os endereços e fazia uma via sacra, ia bater de porta em porta. E até então, ainda mais quando você é moleque, você tem mais a vontade de trabalhar, de desenhar, então se você pudesse pagar pra fazer isso, você pagaria. E eu acho que foi mais ou menos o que aconteceu comigo, porque no começo eu tomei tanto calote e eu não me importava com os calotes, o que queria era estar produzindo. E eu acho que no primeiro momento mesmo foi conseguir se posicionar como um profissional, porque quando você é moleque, você não consegue encarar que aquilo pode ser realmente o teu trabalho, quando pode ser levado a sério, você é um fã tentando fazer aquilo que você gosta, que era o que eu tinha na cabeça, eu queria fazer quadrinhos, eu tinha esse desejo, e não importava se eu ia receber por isso ou não, porque eu não tinha a mentalidade profissional, eu tinha a mentalidade de fã que queria produzir.

Então a maior dificuldade, além de você achar o trabalho, é de se ver como um profissional e levar a sério isso, não encarar só isso como a realização de um sonho, o fã desenhando aquilo que gosta. É mais a forma de encarar a produção, do que a produção em si.

Ivan Reis

Quadrim: Geralmente os pais querem uma carreira tradicional e que renda bastante para os filhos, como advogado ou médico. Os seus pais o apoiaram desde o início ou houve alguma resistência?
Ivan: Eu tive muita sorte com os meus pais porque eles sempre me apoiaram em seguir esse caminho. Desde que eu era criança, desde que eu tomei consciência por mim, eu sempre quis ser desenhista de história em quadrinhos, eu sempre fui muito específico ao “em quadrinho”, nunca pensei em ser ilustrador ou ser artista plástico ou designer. E pra uma época onde praticamente ninguém tinha ouvido falar que podia ser uma profissão, meus pais sempre me apoiaram “se você quer ser desenhista de história em quadrinhos, você vai ser desenhista de história em quadrinhos”. E não importava se eu podia sobreviver disso ou não, se isso podia render alguma coisa ou não naquela época.

Tem até uma história engraçada, um dos trabalhos que eu fiz no começo de carreira, eu tive um intermediário pra editora Bloch, e esse cara tava me dando uma “canseira” pra poder me pagar, e os meus pais falaram “nós vamos com você cobrar esse cara”, eu era moleque, tinha quatorze nos. Nós fomos até a casa dele, eu me lembro muito nitidamente que era um lugar muito simples, de renda baixa, e o estúdio dele ficava na sala e eu lembro que entrei na casa dele, olhei aquilo, aquilo pra mim parecia o paraíso, pra mim era tão legal aquele ambiente, indiferente da simplicidade e eu pensei “é isso que eu quero”. Era revista, prancheta misturada com sofá, era uma bagunça mesmo a casa dessa pessoa e era simples, mas aquilo pra mim era mágico. E eu sei que meus pais pressionaram ele pra me pagar “você tá devendo, meu filho trabalhou”, acho que eu trabalhei dois meses dedicado na revista e ele me pagou um valor simbólico e junto com esse valor veio uma carta pra mim e pros meus pais, e a carta dizia assim “olha, se você tá pensando em ser um desenhista de história em quadrinhos, desista. Se os seus pais pensam que você vai ganhar algum dinheiro nessa vida fazendo histórias em quadrinhos, eles estão muito enganados, eles que façam você procurar alguma outra coisa, médico, advogado, eles estão muito enganados se pensam que vão conseguir explorar você de alguma forma”, eu lembro que era uma carta mais ou menos assim.

E isso simboliza bem, nunca foi questão de dinheiro na verdade, era questão de você fazer e receber por isso porque você trabalhou. Então eles sempre me apoiaram independente de valor, de questão financeira, de condição que a profissão podia me dar ou não. Era uma coisa que eu queria fazer? Era. Era o meu sonho? Era. Então eles sempre me apoiaram de todas as formas, de todas as maneiras. Eu tenho muito pra agradecer.

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Quadrim: Quais eram seus objetivos e sonhos em sua profissão? Que coisas queria atingir, realizar? Quais delas já realizou e quais faltam?
Ivan: Meu maior sonho era fazer o quê? Fazer história em quadrinhos. E continuar fazendo história em quadrinhos. Por mais que eu passe anos nessa profissão, não tem um objetivo maior que não seja continuar a fazer história em quadrinhos. O próprio produto é a minha realização. É o meu objetivo. Então ao mesmo tempo eu tenho objetivo, ao mesmo tempo eu tenho a realização de um sonho, um sonho realizado.

Eu tenho as três coisas em uma. Eu tenho um sonho em andamento, um sonho realizado (pelas coisas que eu já fiz) e ainda sonhos que eu ainda vou realizar de outros projetos e de outros trabalhos que ainda vou fazer, mas todos eles vão continuar sendo sempre a mesma coisa, que vai ser: fazer uma história em quadrinhos, ser um profissional de história em quadrinhos. Então eu não tenho um outro objetivo, eu não tenho um outro sonho.

Eu sou dono do meu próprio trabalho. Eu não posso ser uma empresa, onde eu quero ser no futuro o presidente da editora. Esse não é o meu objetivo. O meu objetivo é continuar produzindo, e é engraçado que eu já tenho 20 anos de carreira e o meu objetivo continua exatamente o mesmo de que quando eu comecei. Meu objetivo continua sendo o mesmo de antes de eu começar, que é continuar sendo um profissional de história em quadrinhos e continuar vivendo de história em quadrinhos. Então por isso que eu falo, eu tenho ao mesmo tempo um sonho realizado, um sonho se realizando e um sonho que eu ainda vou realizar e ao mesmo tempo essas três coisas é uma só. É uma divina trindade que é produzir história em quadrinhos e poder viver, continuar vivendo dessa produção de história em quadrinhos. Acho que seria isso.

O meu sonho é uma divina trindade. Eu realizei, realizo e vou realizar, são três em um, né. E os três é uma coisa só: produzir história em quadrinhos.

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Quadrim: Quais são as qualidades que um quadrinhista precisa ter para ser bem-sucedido? Quais são aquelas que você não tinha e teve que desenvolver/aprender?
Ivan: É engraçado porque, a realização profissional com quadrinhos ela difere muito de um artista para outro. Muitos se satisfazem só desenhando, outros precisam escrever, outros precisam ser mais completos. Então o que um artista precisa varia muito, mas uma coisa é certa, ele tem que estar muito acostumado a ficar sozinho, porque é um profissão bastante solitária, a maior parte do tempo é você e o papel e a disciplina é um fator muito importante, porque a partir do momento que você se torna um profissional acaba vindo junto com esse trabalho outros fatores que até então você não tinha que é: prazo para entregar esse material, uma qualidade mínima para esse material é um compromisso profissional com a editora, com o empregador.

Então eu acho que saber estar sozinho é fundamental. Você saber se aceitar. E isso é difícil porque muitas pessoas não conseguem ficar sozinhas com elas mesmas. Por que você tem muito tempo para pensar sobre tudo, sobre você, sobre as pessoas à sua volta, sobre a sua família, sobre a sua vida, porque você está sozinho a maior parte do tempo e muitas vezes olhando para um papel, e a pressão, os prazos são muito apertados, costumar ter uma pressão não só da editora, mas existe uma pressão engraçada que é uma pressão do artista, para o que vão pensar do trabalho dele.

Por que é engraçado, por mais que você faça o trabalho, esse trabalho é parte de você, é o resultado daquilo que você acredita, daquilo que você estudou, é você. Então se você recebeu uma critica negativa sobre esse trabalho, ela se torna pessoal, porque aquele trabalho é parte de você. Como você pode achar ruim uma coisa que… você está me achando ruim. Eu acho que isso deve acontecer também com ator, eu acredito, acho que com músico, você achar algo ruim que ele produziu é a mesma coisa que você achar que… É uma falha dele, como isso pode ser ruim? Eu dei a minha alma para isso tem muita gente que não consegue lidar com essa situação, com a critica.

É muito legal quando você aprende a lidar com isso, mas tem muita gente que acaba parando no meio do caminho porque não aguenta a pressão para ele mesmo. A pressão dele para o trabalho: Putz, isso vai ficar bom? O que vão pensar? O que vão achar? E se não gostarem? Já teve pessoas, artistas que eu conheci que já entraram em depressão por conta disso. Meu deus, acharam meu trabalho ruim. O que vai ser da minha vida agora? Por que aquele trabalho é mais do que simplesmente uma revista. Aquilo é ele. É parte dele.

Então você saber ficar sozinho, saber lidar com isso, com essas pressões, não só pessoais, mas com essas pressões de prazo. Acho que é um dos principais fatores para você conseguir ser um profissional de história em quadrinhos. Outra coisa muito importante, é lógico, é você estudar, saber as técnicas, ter a desenvoltura, saber lidar com narrativa, com perspectiva, com as partes de desenho. Ser bem informado em relação a design, arquitetura e ser um pouquinho de tudo. Isso é bem difícil, isso leva anos. Mas acho que se eu tivesse que falar uma coisa fundamental, seria: saber ficar sozinho e saber lidar com a pressão tanto pessoal quanto profissional.

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Quadrim: O Brasil não tem uma tradição tão grande e forte de quadrinhistas quanto países como EUA e Japão, o que é irônico, já que somos grandes consumidores de quadrinhos. Nossos quadrinhistas precisam trabalhar para editoras estrangeiras se quiserem se sustentar. Quais são os problemas que os quadrinhistas brasileiros têm pela frente para ter um mercado tão forte quanto os citados?
Ivan: Eu acho que um dos grandes problemas do mercado nacional… eu não sou tão informado com os problemas do mercado, eu trabalho há muito tempo com o mercado americano, do que eu vejo é assim: é muito barato já comprar o material pronto e é muito difícil você concorrer com o mercado de super-heróis americanos ou com mangá. E eu acho que é um problema é achar a sua linguagem, nós já provamos que o brasileiro faz muito bem charges, tiras, o próprio produto infantil com a Turma da Mônica aí provando que vende muito bem. Mas eu vejo muita molecada nova querendo bater de frente com o mercado americano, querendo lançar um produto nacional com super-heróis, algumas coisas assim.

Isso é complicado porque pra uma editora que precisa investir nisso, é muito mais fácil comprar pronto, comprar algo que já tem um marketing formado, uma linguagem formada. Então se você não investe do seu próprio bolso… Você choca o fã com o profissional. Quando você quer fazer aquilo que você ama e você não tem o espaço, acaba fazendo aquilo de graça, acaba pagando pra fazer. Porque aquela pessoa que poderia investir no seu trabalho, vai gastar muito mais do que comprando um produto já pronto, com o marketing e licenciamento já prontos. Ele não vai precisar divulgar a revista, não vai precisar divulgar o personagem, isso já é feito pelas grandes empresas, grandes corporações.

Aqui no Brasil ainda o artista depende muito da produção independente, dele desembolsar e acreditar no trabalho dele. Porque se ele depender de editoras, vai ser muito difícil, o próprio editor não se vê investindo x e y com um artista nacional se ele pode gastar metade disso comprando material de artistas já consagrados, personagens já consagrados, ou mesmo que não sejam, no caso do mangá, um produto já pronto.

O quadrinista brasileiro ainda depende dele mesmo, desse investimento independente, pra fazer o material dele chegar. Então ele ainda vive da paixão. Ou acontece aquele caminho inverso, você acaba publicando lá fora pra ter um reconhecimento pra editora comprar esse material pronto que você lançou lá fora. O material que ele (o quadrinista brasileiro) poderia ter lançado diretamente no Brasil se torna inviável, então ele acaba tendo que publicar lá fora pra uma editora se interessar e comprar esse material pronto de outra editora por um preço menor. E é engraçado porque no Brasil a gente tem uma grande produção de quadrinhos, tem muita gente produzindo, mas produzir não quer dizer que você sobreviva disso, ou que você só faça isso, não quer dizer que tá todo mundo com trabalho, às vezes são pessoas apostando no próprio trabalho, as próprias fichas. O grande problema do mercado brasileiro é o valor, porque o artista nós temos, isso é inegável, o que falta é alguma editora acreditar nisso.

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2 Thoughts on “Quadrim Entrevista - Ivan Reis

  1. Pingback

  2. Zé​ Luiz|

    Achei muito interessante essa entrevista com o Ivan e todas as dicas q vc deu no blog , são muito importantes para quem está começando neste ramo assim como eu . Vou acompanhar assiduamente a partir de agora .

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