Se prosseguir o quadro que vemos hoje da cultura pop, para o público em geral, especificamente para a nova e as próximas gerações, o termo “super-herói” estará associado às produções mais rentáveis do cinema – muitos já consideram o termo por si só um gênero cinematográfico. Mas, durante todo o século passado, desde que a expressão foi usada pela primeira vez, “super-herói” era algo típico apenas dos quadrinhos – um conceito que existe quase desde os primórdios desta forma de expressão e que foi responsável pela consolidação das HQs americanas e dos gibis como sua principal mídia de divulgação.
Super-herói é uma expressão tão típica das HQs americanas que, desde os anos 60 é uma marca registrada que, nos Estados Unidos, só pode ser utilizada pela DC Comics e pela Marvel. Isso significa que hoje em dia só a Warner (que comprou a DC) e a Disney (que comprou a Marvel) possuem o direito de usar o termo em seus produtos – o que já gerou diversos debates e polêmicas por lá. Isso não quer dizer que outras empresas norte-americanas não usem a palavra, só que sempre correm o risco de ser processadas por isso – o que já ocorreu algumas vezes.
O primeiro super-herói, como todos sabem, surgiu nos quadrinhos. É o Superman, criado pela dupla Jerry Siegel e Joe Shuster e publicado pela primeira vez na lendária primeira edição da revista Action Comics, em junho de 1938 – um personagem tão revolucionário que estabeleceu as diretrizes que norteiam até hoje o mercado norte americano de quadrinhos. Peraí: eu disse “como todos sabem?”. Não é bem assim. Isto na realidade é uma convenção aceita em geral devido a inquestionável importância do personagem e ao fato dele ter efetivamente sido o primeiro a usar o termo em suas aventuras, mas esta afirmação não se sustenta se formos pesquisar um pouco.
Os jornais já veiculavam desde janeiro de 1936 as tiras de um personagem que já detinha as características que definem um super-herói. Trata-se do Fantasma, de Lee Falk e Ray Moore: um aventureiro mascarado e combatente do crime com identidade secreta e base de operações oculta, uniforme berrante e cueca para fora da calça. Sempre que se fala no Fantasma como super-herói, vem alguém que pergunta: “E cadê os superpoderes?”. É curioso o fato de que ninguém apresenta essa questão quando falo do Batman… Por sinal, o homem-morcego e o Fantasma possuem diversas características em comum. Ambos aprimoraram suas capacidades físicas ao máximo, tem esconderijos em cavernas e decidiram combater o crime após ver os pais serem assassinados por criminosos.
O Superman não pode nem ser considerado o primeiro protagonista com superpoderes nos quadrinhos. Basta lembrar de Popeye, o marinheiro que adquire superforça e invulnerabilidade ao comer espinafre. O personagem de Elzie Segar surgiu em janeiro de 1929 como personagem secundário na tira de jornal Thimble Theatre até tomar conta do pedaço e passar a nomear a HQ anos depois. O primeiro personagem dos quadrinhos com superpoder, que o usava para ajudar as pessoas, foi Hugo Hercules, de William HD Koerner, lançado em 1902. Sua superforça, porém, não fez sucesso na época: só foram lançadas apenas 17 tiras do personagem. Era um personagem à frente de seu tempo.
Ainda que alguém afirmasse que “gibis e tiras de jornais são coisas distintas” e por isso personagens criados para as páginas dos jornais não poderiam se encaixar de forma alguma no conceito de super-herói, Superman ainda não seria o primeiro. Em novembro de 1936 estreava nas páginas da 1ª edição da Funny Picture Stories, o Clock, um aventureiro com uma máscara que lembra o Bandoleiro, de Jim Lee, e que se veste como o Spirit, de Will Eisner. Mestre dos disfarces e hipnotizador, o Clock era um ex-promotor de justiça, membro da alta sociedade, que lutava contra o crime com armas sofisticadas – como sua bengala que lançava projéteis e seu brinco que liberava gás lacrimogêneo. Ele chegou a ser publicado no Brasil nos anos 30, no Suplemento Juvenil e no Globo Juvenil, onde ganhou o risível nome de “Gongo”.
Outra coisa que não se sustenta, se pesquisarmos um pouco, é o fato de que os super-heróis surgiram nos quadrinhos. É fato de que foi nesta forma de expressão que o termo foi usado pela primeira vez e se sedimentou na cultura pop, mas personagens que se enquadram como tal já existiam antes em programas de rádio e na literatura. Um exemplo do primeiro caso é o Besouro Verde, criado por George W. Trendle e Fran Striker, conhecido pela série de TV dos anos 60 e pelo filme de 2011. Ele surgiu como protagonista de um programa de rádio em janeiro de 1936 e não dá para dizer que não se enquadra no gênero. O Sombra é ainda mais antigo. Este estrondoso sucesso de Walter B. Gibson – inclusive em estações de rádios brasileiras – surgiu em julho de 1930, incutindo terror no coração dos malfeitores desde então.
Já na literatura não falta exemplos, principalmente se observarmos os pulps do período – um tema que por si só merece um artigo. Pulps eram revistas de papel barato para consumo rápido, que continham contos e novelas dos mais variados estilos, em geral com tramas rocambolescas e de muita ação. Surgiram em 1896 e continham vários autênticos super- heróis, que serviram de base para diversos personagens da indústria dos quadrinhos: Zorro, Doc Savage, Vingador, Detetive Fantasma, Spider… Todos combatentes do crime com máscaras, uniformes chamativos e superpoderes ou equipamentos sofisticados para lidar com
os malfeitores. O próprio Sombra se tornou tão popular nos pulps como no seu programa de rádio.
E interessante notar que estes personagens do rádio e da literatura acabaram migrando para os gibis, competindo no mesmo mercado dos super-heróis, grupo do qual, afinal, eles sempre fizeram parte. Não duvido que, depois de encantar com os tradicionais superseres das revistas em quadrinhos, a indústria cinematográfica foque seu interesse nestes que já eram parte deste clube antes mesmo dele ser nomeado.
Eu ADORAVA o seriado do Besouro Verde. Ele tinha tudo o que era legal no seriado do Batman, mas sem a tosqueira daquele. O carro do cara era legal, a música era legal, até a porta da garagem do cara era legal. E ainda por cima, apresentava Bruce Lee!
Ótimo post e trabalho de pesquisa, parabéns!
Não desfavorecendo este seu texto bem explicativo da Era dos Super-Heróis e a sua cronologia, o qual gostei muito de ler e aprender, teve aí uma nota que me chamou a minha atenção: Não sabia que as outras empresas de HQs não podem intitular um personagem seu como Super-Heróis. Interessante! Embora não concorde com ela. Obrigado pelo texto e continue. 🙂
incrível saber que o Batman era plagiado de outro personagem. obrigado pelo texto